Quer ter um dia carregado? Passe-o lendo comentários de notícias do G1, de posts do Facebook e avaliações de livros na Amazon. Certo que o último item da lista precisa de um pouco de garimpo: ler, especificamente, as avaliações de livros premiados, bestsellers ou nacionais; sim, livros nacionais já nascem com a lombada grossa pra levar bordoada de leitor insatisfeito pelos mais variados motivos, totalmente passáveis na maioria de livros gringos hypados.
"O que isso tem a ver com Macunaíma?"
Macunaíma: O Herói Sem Nenhum Caráter é um livro de Mário de Andrade, publicado em 1928, a obra mais famosa do Modernismo brasileiro. Pra quem não lembra, Modernismo foi o período em que os artistas começaram a se rebelar contra padrões estéticos tradicionais e passaram a fazer opiniões pessoais sobre tudo por meio das obras (em especial, política e questões sociais). O movimento pegou o mundo inteiro, mas no Brasil ele foi marcado por críticas ácidas e bom humor. A liberdade era tanta, que até passou a ser permitido que falta de musicalidade, rima e métrica fizessem parte de um texto poético.
O enredo de Macunaíma não é nada simples, é propositalmente caótico. Trata-se de uma rapsódia, ou seja, é um livro que narra os feitos de um herói que representa uma nação. Macunaíma é o Brasil.
Quem já leu o livro sabe que a obra é um compêndido de lendas, tradições, religiões e regionalismos brasileiros vividos pelas peculiares personagens numa série de eventos surrealistas simbólicos, com uma narrativa de linguajar inusitado, um misto de palavras pouco usuais e inventadas, o que torna a leitura pouco palatável a quem não está acostumado com o estilo.
Toda epopéia é sobre a nação brasileira, sobre quem somos. O subtítulo O herói sem caráter faz jus à miscigenação e diversidade cultural do país, esta sob a afirmativa de não ser totalmente nossa, mas um Frankenstein europeu, africano e indígena (este, sim, o único brasileiro raiz).
É um livro atualíssimo em pleno 2021. Brasil passou de colônia desconfigurada à nação que importa cultura, nossa identidade é não ter uma identidade, e isso é difícil de se escrever, intragável de se ler. Não é nossa culpa: como Macunaíma, nossa gestação foi longa, mas nosso parto, rápido, precisamos nos virar nos 30 e aprender a ser nação de uma hora pra outra, engatinhamos atrás de nações maratonistas.
Odiamos Macunaíma porque odiamos olhar no espelho.
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