Todos os dias que renasci.

Análise de Converse com seus demônios, de Gia Oliver e John O'Brien.

"Perguntaram-me certa vez por que escrevo. Fiquei alguns segundos sem saber o que pensar, o que sentir e o que dizer, e a resposta, que sempre pareceu estar na ponta da língua, não escapou correndo por ela. A verdade era que eu sentia saber por que escrevia, mas não sabia como exprimir isso em palavras."

Por vezes me pego achando estar sozinha no mundo. E não se trata da solidão de família e amigos, mas a da incompreensão, a de ter de sobreviver num mundo tão grande e cheio de dificuldades. Ninguém é preparado para isso nem para ser sufocado com a necessidade de ter uma vida plena em todos os sentidos.

Quem tem me acompanhado por esses dias deve ter reparado que saúde mental tem sido uma pauta de destaque por aqui: razão pela qual o livro de hoje é tão especial.

"Caro eu do passado,

Sei que, ainda tão pequena, você tinha medos e muitas inseguranças, sentiu-se sozinha muitas vezes e tinha a sensação de não se encaixar entre os parentes da família. Você se sentia estranha naquele meio e, na maioria das vezes, invisível ou sobrando. Foram as primeiras rejeições que seu coração precisou suportar."

"Por que demorei tanto pra ler esse livro?" era o pensamento recorrente enquanto devorava as páginas da linda parceria entre os autores Gia Oliver e John O'Brien. Uma obra que transita entre os gêneros autobiografia e ficção e que me levou às lágrimas diversas vezes.

É impossível não se visualizar nos contos e relatos, reconhecendo-se em momentos tão apavorantes quanto seriam numa ficção de horror. E isso graças à crueza da narrativa afinada dos autores, como bem disse Bibiana Danna no prefácio da obra.

"Caí na correnteza, e ela me levou; sem forças, não quis nadar, apenas pouco a pouco deixar de respirar. Cada segundo que perco é mais do que posso suportar. Cada erro, cada falha, cada decepção é mais uma cicatriz que meu corpo ganhará, e mais uma estaca no meu coração. Ela não viu que me sufocou sem usar suas mãos, apenas suas palavras e pressões intermináveis fizeram esse trabalho."

Mais do que uma coletânea disposta a falar sobre transtornos emocionais, o livro visibiliza o ser humano, seu sofrimento inato e sua fragilidade perante o turbilhão que é a vida. Converse com seus demônios é catártico, reflexivo e sensível; chacoalha-nos a urgência de que a saúde mental é prioridade e não tem preço.

"Minha mãe permanece desorientada e meu pai, agora, ostenta um semblante de quem não sabe o que fazer, como se ao vir aqui mal imaginasse chegarmos a este ponto."

Depois disso, só me resta dizer que o livro era tudo o que eu precisava. Apaixonante é a escrita de Gia Oliver e de John O'Brien, autores que compartilharam suas almas e dores profundas nesse trabalho incrível.

Mais do que recomendação, afirmo que é leitura necessária para a nossa era adoecida.

Li pelo KU.