Análise de Renegados do Céu, de John Elton.
"Na escuridão perene do mundo abaixo, tendo apenas pequenas fendas para aproveitar a luz das estrelas, viviam condenados, órfãos e todo tipo de excluídos da visão sensível da boa sociedade. Em Clouddawn, poucos podiam pagar uma casa nas áreas mais altas, entre os balões, e desfrutar do ar limpo e da vista deslumbrante."
A celebrada Margareth Atwood, autora de O Conto da Aia, disse a Laura Fernandez em entrevista que toda distopia contém uma utopia. E isso não é nada confuso, trata-se apenas de uma versão mais impessoal e ampla da famosa frase de Facebook "você já foi o vilão da história de alguém".
Ideais são humanos e resultam de interesses individuais, até mesmo os de viés altruísta. E não por isso, mas pelo que é característico de sistemas econômicos e sociais, é impossível deixar todo mundo feliz.
E essa constante é um dos assuntos do livro de hoje.
"Quando a noite caiu, Smoke olhou pela janela do quarto que lhe fora designado. Seu olho bom examinava o oceano, apenas uma linha no horizonte. Não viu nenhum fogo brilhando no escuro, mas sabia que Kaalanarak ficava a apenas alguns quilômetros ao sul; uma ilha tão pequena e de tão pouco valor que sequer estava nos mapas. Somente aqueles que moravam há algum tempo em Calcutá conheciam as histórias que circulavam na ilha Kaalanarak e seus habitantes. Somente eles sabiam o que realmente aconteceu quando as pessoas começaram a desaparecer e aquelas canções antigas que datavam de antes do Cataclismo ecoaram na selva."
Mais do que um dirigível, Renegados é o reino do capitão Liam Corvo Negro em pleno século XIX pós-cataclismo. Embora seja respeitado a ponto de ser considerado um semideus por sua tripulação, lida com seu fardo de ser filho ilegítimo do rei da Inglaterra, Sebastian Hanôver I. Assim que toma frente de uma investigação sobre uma rede de tráfico humano, eleva a principal suspeito Robert Virgold, prefeito de Clowddawn, cuja filha, Melina, visando fugir do destino preparado pelo pai, acaba acidentalmente embarcando-se na tripulação de Renegados.
"Você tem que estar disposta a perder. Melina tocou uma de suas penas metálicas com a ponta dos dedos. Mas desistir sem lutar? Não, isso não. Não quando as vidas de Liam e Yuki estão em jogo!"
Crítico por natureza, o steampunk é um subgênero do sci-fi que visa discutir a relação entre homem e máquina em seu sentido mais primitivo, ou seja, a máquina não como mera tecnologia auxiliadora, mas como parte integrante do homem, que a usa em prol de interesses sociais. Por isso Renegados do Céu é muito mais do que um romance de aventura. As tentativas de progresso pós-desastre mostram-se ainda mais desastrosas, e não apenas pela questão da coexistência das máquinas, mas pelo planejamento humano. Renegados do Céu apresenta uma humanidade desorientada e carente de líderes competentes.
Povoada por personagens carismáticos, o livro aborda assuntos atemporais, como o papel da mulher numa sociedade caótica e como alguns comportamentos de índole duvidosa não mudam, independentemente da época.
"O príncipe permaneceu impassível; apenas um leve estremecimento de seus lábios, logo cobertos pelo copo que levou à boca, revelou sua excitação com a ideia de enterrar Corvo Negro na extremidade do mundo."
A leitura foi uma experiência única e prazerosa não só pelos assuntos discorridos, mas também pela habilidade do autor em ambientar o funcionamento de um universo disforme, ao tempo que constrói personagens complexos em enredos instigantes.
É o trabalho de estreia do autor e vale a pena ser conferido por amantes de sci-fi, distopias e aventura. Li pelo KU.
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