Análise de Com amor, mamãe, de Analu Leite.
"Percebi que estava ficando velha quando minha filha me acusou de ser careta. Careta, eu? Até parece! Ela é que se acha muito moderninha, tingindo o cabelo de azul e usando roupas indianas, sem perceber que tudo isso já foi feito pela geração da minha mãe!"
Não sei a quem pertence a autoria da frase "quando nasce um bebê nasce também uma mãe", só sei dizer que ela não é verdadeira.
Nenhuma mulher está pronta para a maternidade; e isso não tem a ver exclusivamente quanto a cuidados com bebês, mas quanto a entrega que a maternidade pede; não temos noção real do quanto e coisas das quais precisaremos abrir mão para poder fazer o básico para, quinze anos depois, receber um "eu não pedi pra nascer".
Uma mãe não nasce quando nasce um bebê. Quando nasce um bebê é concebida uma mãe.
A maternidade é um processo contínuo, lotado de surpresas e percalços; é um desprendimento voluntário e involuntário (SIM, precisamos falar sobre isso), transformador da mãe como indivíduo.
É disso que fala o livro que trago hoje.
"Os filhos são genuínos gatilhos de afeto, pude constatar. Conectam-nos a coisas e pessoas de maneira muito peculiar, a partir de outras sensações experienciadas, que vão muito além das costumeiras. Passamos a ver o mundo também através de seus olhos e a gostar (ou desgostar), conforme a dança de sentimentos manifestados pela cria."
Embora soubesse que um dia sua filha sairia de baixo de suas asas, Maria Clara só deu conta que não estava preparada para o evento quando aconteceu. Aos vinte anos, Ana Beatriz decidiu que sairia de Ilhéus-BA para fazer uma oficina de Cinema em São Paulo com o namorado. Assim, sem aviso prévio. Decidiu que ia e foi. De então, Maria Clara passou a escrever cartas mensalmente para ela, nas quais desabafava muito mais do que a saudade da ausência de Ana Beatriz.
"Era uma disputa em que eu era a única competidora, mas que me permitia perder sem ninguém saber. Entendeu? Eu também não, e nunca contei isso para ninguém. Talvez por medo do julgamento alheio, talvez por saber que, verbalizando, eu perceberia o quanto estava pirada."
O primeiro capítulo já se inicia com a realidade nos esbofeteando o rosto e gritando que não importa o que façamos, sempre seremos mães insuficientes e até, pelo ponto de vista da cria, tóxicas em algum nível e ocasião. Pelos olhos de Maria Clara, o leitor acompanha todo o trajeto dela, desde momentos antes do "positivo" até o tempo presente do livro.
Maria Clara é uma personagem que vai despedaçando e desnudando a alma em cada capítulo, revelando tanto à filha quanto ao leitor o quanto de si foi perdido e encontrado durante o processo contínuo da maternidade, seja quando traz frações do dia a dia (da gestante ou da mãe), seja quando traz relatos do que foi vivido na carne, seja com o visto de perto: a maternidade de outras mulheres, todas de idades, realidades, etnias e classes sociais diferentes.
"Nostalgia, mesmo, sinto de seus tempos de criança, de quando era uma menina doce, que me mirava com brilho nos olhos e procurava-me para que sarasse um dodói apenas com o beijo. Que batia os pezinhos, quando me via chegar da rua (ou do quarto), e me abraçava fazendo tudo desacelerar."
Ainda que Maria Clara demonstre uma visão pertencente à sua geração, Com amor, mamãe pode ser considerada uma obra completa e atemporal, visto que as motivações trabalhadas na narrativa servem a qualquer mulher de qualquer época, não só as mais modernas, pois os argumentos ali direcionam ao sentido comum e impulsionador da maternidade: o desapego do eu.
É um livro impossível de ser lido sem ser tragado pelo que nele é descrito: em algum momento nos enxergamos, seja na Maria Clara, seja nas demais mulheres e realidades ali inseridas.
Também é uma leitura recomendável para as pessoas não mães que estão ao lado de mães (silenciosas para pedir ajuda) e acreditam que nada podem fazer para auxiliá-las.
Com amor, mamãe é o livro de estreia de Analu Leite, a responsável por nos trazer o turbilhão do universo de Maria Clara. A obra também conta com ilustrações de Thaís Capusso e está disponível no KU.
Que análise linda. Fiquei lisonjeada! Obrigada Eliza !