Análise de Arcanista, de Joe de Lima.
"Cem mil manifestantes tomavam conta das ruas de Januarii.
Cem mil vozes entoando de forma ritmada:
— Mana é assassinato… Não matem o planeta… Voz Verde é a voz do povo!"
Vou começar esse post fazendo um desabafo: nunca gostei daquela história de que "o escritor não deve inventar gêneros". Sim, reconheço que essa reclamação soa bem amadora da minha parte, mas é sincerona. Ser artista, criar e inovar não é fácil, pois as pessoas têm receio de novidade, têm medo de experimentar. Claro que, tratando-se de mercado, tudo é imprevisível, e o improvável pode cair no gosto popular.
Só que é risco.
Esse chororô tem um propósito: enaltecer o livro que trago hoje.
"Rosena Valerius desenvolveu a primeira versão da Forja meses após o falecimento de Fabriciano Noble. Vitimado por um câncer no pâncreas após três décadas no poder, o Primeiro Regente foi substituído por seu filho mais velho, Beleno. Gaspar e Rosena Valerius viam o novo Regente-Geral como um líder fraco no cenário político e decidiram não compartilhar a tecnologia por trás do forjamento com o governo, mantendo as gemas para uso exclusivo da Arcanum, o que representava uma quebra no contrato entre as duas partes."
Vera Cruz está passando por uma séria crise política pós-conflito-nuclear de escala global. O cenário faz com que o país invista na extração de mana, substância encontrada no núcleo terrestre. Com sucesso, a matéria passa a ser usada como fonte de energia universal, elevando Vera Cruz a potência mundial. Porém a extração dessa nova fonte de energia começa a causar impactos negativos no meio ambiente, pondo a saúde do planeta em risco. Diante disso, o grupo "Voz verde" toma a frente de ondas de protestos violentos, com direito a ataques nas usinas de energia de mana. O quadro torna-se ainda mais animoso quando a filha Regente-General do país passa a correr risco de vida.
Quem se envolve com tudo isso é Marcel, um jovem estudante que está se preparando para se tornar um arcanista: um soldado que disponibilza seu corpo como canal de energia mana, tornando-se, também, fonte de força e poder.
"Marcel apoiou-se no bastão para não cair. Um afluxo subiu até a boca e pensou que vomitaria, apenas cuspiu. Olhou para o grandalhão curvado e não conseguiu conter-se. Ergueu o joelho e atingiu o capacete com a sola da bota. O inimigo caiu de costas com todo o peso do corpo."
Arcanista reinventa gêneros, criando um novo com sua narrativa que mescla o cenário catastrófico da distopia, o maravilhoso da fantasia e o esperançoso do sci-fi: o sci-fi fantasy. É impossível não identificar o mundo real no universo da trilogia Vera Cruz, a começar porque Joe de Lima cria personagens plausíveis em planos bem amarrados: todo o espectro político de Arcanista é possível se visto por uma perspectiva pessimista de futuro.
Destaque para a construção das cenas, descritas de modo a que planos fossem mudados a partir do ponto de vista do personagem em destaque, garantindo ao leitor uma perfeita visualização do ambiente.
"A descoberta do mana no núcleo da Terra foi recebida com algo além do entusiasmo. Representava um sopro de esperança para um mundo devastado pela Guerra Absoluta. No primeiro momento, as usinas de extração do vapor energético representaram a capacidade humana de se reerguer e perseverar. Assim foi durante as primeiras décadas."
Foi a fantasia mais realista que já tive o privilégio de conhecer. Sua crítica a como nos portamos em meio a crises e a como reagimos quando temos o poder nas mãos categoriza a leitura da obra como altamente relevante, ainda mais nos dias de Brasil atual. Recomendo a todos, amantes ou não dos gêneros mencionados acima.
Arcanista é o livro 1 da trilogia Vera Cruz. Tanto ele como os demais livros encontram-se disponíveis no KU.
Comments