Análise de Milícia: Um Mergulho no Submundo, de Paula R. Cardoso Bruno.
"Eu sequer fazia ideia de quem era o meu pai biológico e já que ele tinha abandonado a minha mãe quando descobriu que ela estava grávida, não deveria ser uma boa pessoa. Estávamos melhores sem ele apesar dela viver mais drogada e bêbada do que sóbria. E apesar de quase não ter comida no nosso barraco, lá eu tinha uma cama quente, pelo menos até eles virem buscá-la e ela nunca mais voltar."
Diante dos horrores do mundo real, raras são as vezes que nos deparamos com possibilidade de escolha ou com boas oportunidades de fato. A vida costuma bater em alguns com gosto, e poucas são as ocasiões em que a justiça, essa linda, entra em cena a favor de quem precisa.
O livro que trago hoje explora esse tema, ao tempo que proporciona alívio com um final que, na vida real, seria decente.
"Eles estavam usando a minha filha para me tirar dos casos de tráfico de drogas e armas no Rio de Janeiro. Todos os dias chegavam fotos dela em envelopes lacrados via correio de várias partes do país sendo quase impossível identificar os remetentes. Demoraria dias para ver todas as imagens das agências dos Correios para chegar a um possível membro do grupo criminoso. Aquele pessoal não estava para brincadeira, mas nós também não."
Jaime é um garoto órfão que foi parar na vida do crime após ser acolhido por Tito, chefe do tráfico em uma das favelas do Rio de Janeiro. Após deixar uma marca roxa num outro menino depois de uma briga, Jaime recebe o apelido de Peteleco. Um dia, Tito some por duas semanas, reaparecendo debilitado e com um curativo no peito: um alerta a Peteleco do que lhe aguardava nessa vida.
O pai de Antonella é um juiz que recebe constantes ameaças de morte. A moça se apaixona por Victor sem dar conta de que ele faz parte de um grupo de criminosos que pretende se vingar de seu pai com um plano macabro.
"Como vocês me falaram sobre como entraram nessa, vou resumir a minha. Fui escalado para fazer um sequestro, era um serviço mandado, mas me apaixonei pela vítima. Eu a tirei do cativeiro quando vieram me substituir, eles a matariam em poucas horas pelo que percebi. O cara que ajudou o chefe a me criar deve ter falado demais, por isso os planos mudaram. Eu me sacrifiquei por ela sem pensar duas vezes e faria de novo se fosse necessário. Pelo menos eu sei que ela conseguiu ajuda, que está viva. O pai dela de certa forma é responsável por eu estar vivo e aqui."
Com uma narrativa que alterna os pontos de vista de Peteleco, Antonella e seu pai, o leitor mergulha numa história intensa e de toques revoltantes. Peteleco é um personagem extremamente carismático e Antonella nos cativa pela forma como é humanizada com angústias distantes do "pobre menina rica". E não só ela, mas buscando um retrato da realidade, todos os personagens têm dramas e motivações legítimas.
O enredo é repleto de reviravoltas, personagens entram e saem de cena. Aos poucos, vamos descobrindo que nem todos são o que demonstram e que a guerra no morro tem nuances mais sombrias, que vão além da violência patente aos olhos.
"No mundo do crime os montantes de dinheiro que circulavam impressionavam, mas do mesmo jeito que um investidor poderia perder tudo da noite para o dia na bolsa de valores, um traficante e comerciante de armas poderia ser jogado para escanteio."
Junto às fortes críticas sociais feitas na obra, resquícios de esperança. O desfecho de alívio ocorre aos 45 do segundo tempo, prendendo a atenção do leitor até a última página.
Li pelo KU.
Amei sua resenha e concordo 100%!
Que análise maravilhosa!