Análise de A língua dos anjos, de Jadiael Viana.
"Já escrever, é dar voz à nossa alma. É quando os nossos pensamentos gritam. Foi por isso que eu resolvi contar essa história.
A história deles.
A nossa história."
Do nascimento à velhice, o ser humano passa por quatro grandes transições: infância, adolescência, vida adulta e velhice(!) — processos que constituem-se de perdas e superações grandes e pequenas que nos marcam para sempre.
É na segunda transição, na adolescência, que o pico das transformações acontecem: conflitos e mudanças de ideias e concepção de mundo se fundem para a formação do "eu". Essa fase, somada a intempéries da vida, pode ser mais leve e positivamente memorável se os que estão ao seu lado são amigos verdadeiros.
“'Eu não sou de vidro, Amora. Eu não quebro.' — Depois de apontar para si mesmo, passou as pontas dos dedos indicador e médio passou pela têmpora, diversas vezes seguidas. — 'Eu sou uma pessoa normal. É assim que eu quero ser tratado.'”
Vinicius tinha cinco anos quando foi diagnosticado com retinoblastoma, um câncer ocular de ocorrência relativamente "comum" em crianças (1 a cada 15 mil pessoas por ano). Mesmo após ter feito tratamentos oncológicos, Vinícius necessitou passar por uma cirurgia, que removeu não só o tumor, mas também sua visão por completo.
Já Leandro, ou Lê, tinha sete anos quando foi acometido por um rabdomiossarcoma, um tumor que atinge a musculatura esquelética majoritariamente na infância. Assim como no caso de Vinícius — e em muitos casos —, o tratamento quimio e rádio também mostrou-se insuficiente, sendo necessária a remoção das cordas vocais de Lê.
Entre os dois e com os dois está Amora, a melhor amiga; que descobrirá não apenas meios de trabalhar como o cupido do amor deles, mas também quem é ela mesma e o próprio lugar no mundo.
"A verdade é que, habituado à escuridão absoluta, o Vinícius havia aprendido a enxergar o que havia de melhor e de pior nos nossos corações e almas. Por isso, ele sempre sorria."
O dia a dia desses três personagens é narrado pelo ponto de vista de Amora, personagem cuja existência representa a empatia em vigor na trama; é por meio dela que nos aproximamos das dores e dificuldades que pessoas com necessidades especiais passam quando o assunto é inclusão. Embora o foco da maioria das cenas aconteça na vida escolar, as críticas sociais apresentadas podem ser estendidas aos demais núcleos da sociedade, visto que o livro aponta a ignorância e preconceito como a verdadeira grande barreira da acessibilidade.
Apesar do peso da temática, a narrativa discorre-a de forma leve e em tom bem-humorado, marca registrada do autor, que consegue mesclar os assuntos junto às descobertas triviais da adolescência, como o primeiro amor, as dificuldades escolares, os adolescentes-problemas (e seus reais problemas) e a amizade.
"Enquanto desafinava, digo!, cantava, silêncio total na plateia. Dava para ouvir o zumbido de uma mosca. Foram minutos que pareceram uma eternidade. Em busca de apoio, varri aquela multidão de rostos estranhos, mas, ainda assim, familiares. (In)felizmente, meus ex-amigos não estavam mais por lá. Que eu esquecesse a ideia de abrigo, de refúgio seguro. No que dependesse do incentivo deles, o meu barquinho ia afundar."
A Língua dos Anjos é um livro que te faz ter esperança na humanidade, que mostra haver espaço para melhorarmos, que nem tudo está perdido e que aquela pessoa amargurada com a vida precisa apenas de um ombro amigo.
A obra é concorrente do Prêmio Kindle 2021. Li pelo KU.
Bem interessante... Vou ler! Os livros de Jadiael são muito bons. 😍
Eu acho os teus textos incríveis. Você é uma das raras pessoas no mundo que realmente nasceu pra escrever. E ver você escrevendo sobre os meus livros é algo surreal.