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Foto do escritorEliza Edgar

Somos o que somos.

Análise de A herdeira do silêncio, de Jenny Rugeroni.

"O vento trazia o cheiro de folhas e flores, e da chuva fraca de inverno molhando as calçadas. Permaneci parada ali, no meio da sala, não sei por quanto tempo. Minutos? Horas? Sentia-me cheia de lágrimas por dentro, que se manifestavam como um aperto na garganta, igual a quando a gente caminha no vento frio. Sombras dançavam nas paredes, evocando velhas canções estrangeiras há muito esquecidas."


Nós leitores temos o costume de qualificar as leituras que fazemos tendo por base o quanto nos envolvemos e choramos com elas. Se isso for, de fato, um critério confiável, então o livro que trago hoje merece o prêmio de Dono do Meu Coração.


"- Onde você conseguiu esses brincos de pedra-da-lua? – perguntou Estela, enquanto eu imaginava Silvana se arrumando em frente ao espelho. ​

- Ah, esses? Eram da falecida... ​

A voz de Estela soava mais próxima agora. ​

- Você não tem medo de usar?

​- Por quê? São apenas brincos. Não tem sentido ficarem guardados.

​Passei pelo corredor depressa. Não queria mais ouvir. Que falta de respeito! As jóias de minha mãe não eram para ostentar num churrasco qualquer."


Alexandra é a primogênita da família Rodrigues. Desde menina, conheceu a dureza do trabalho nas lavouras. Seu círculo familiar era seguro e feliz, até que uma doença fatal destruiu não só a saúde de sua mãe, mas também a alegria de todos.

Sem conseguir superar a morte da esposa, o pai de Alexandra começa a se perder na bebida. As três filhas, ainda crianças, acabam assumindo, tanto na casa como umas com as outras, o papel da mãe.

Alexandra e suas irmãs crescem marcadas por esses acontecidos e outros. E décadas se passam, nos transformam e amenizam dores.


"- Quando um rapaz se interessa por você, prefere que ele diga logo ou seja discreto?

Pensei antes de responder. Não sabia mais conversar com os homens, tinha perdido o hábito.

- Eu prefiro que as pessoas sejam autênticas, agindo de acordo com o que realmente sentem.

Ele aproximou-se; eu podia sentir o perfume suave que usava. Era tão agradável, tão atraente, e eu me sentia tão só...

- Eu, por exemplo, neste momento estou sentindo vontade de te beijar."


A primeira frase que me vem pra falar sobre esse livro é: que experiência! Terminei a leitura com a sensação de que a história continuou existindo dentro de mim, porque é exatamente essa a proposta: a identificação. Alexandra representa bem as mulheres próximas de nós: tem uma família desestruturada, teve um relacionamento que deu muito errado, faz das tripas coração para criar os filhos sozinha e é dependente da boa vontade dos conhecidos… Também é aquela pessoa talentosa, mas que, por falta de oportunidades na vida, não consegue crescer como merecido e precisa estar sempre provando seu valor para os outros.

O amadurecimento da protagonista é real e palpável. São décadas para Alexandra passar de uma menina sonhadora a uma mulher madura e de pés firmes na realidade. É lindo de ver como Alexandra preserva seus valores e se mantém firme nos propósitos. Inclusive, um ponto superpositivo é que Alexandra é retratada como uma mulher "gente como a gente": cheia de medos e inseguranças, que erra e se entristece com coisa boba.


"Tiago desligou o telefone, sem responder. Fui para a cama aliviada. Não estava em condições de discutir. Quanto mais o conhecia, mais me convencia de que ele não era para mim. Eu tinha problemas reais o bastante para não precisar de dramas sentimentais."


A herdeira do silêncio é um livro intenso, emocionante e atemporal, que mostra verdadeiramente a realidade de muitos brasileiros, em especial, das brasileiras. Leva-nos ao profundo dos sentimentos. É um drama poderoso, do jeitinho que amo. É um livro que panfletarei por onde passar nessa internet.

Li pelo KU.

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