Análise de Pois agora, Franklin, de Onévio Antonio Zabot.
"A marca registrada da Antiguidade é o segredo. Os poucos que sabiam escrever e ler mantinham o domínio do conhecimento e dos subalternos, subjugando-os."
Sísifo era um cara teimoso. Diziam os gregos que ele saía por aí arrastando uma pedra. Carregava-a até o cume de uma montanha, quando o raio da pedra rolava para baixo, e o coitado começava tudo de novo. Camus chegou a justificar essa rotina maluca: Sísifo recebera a punição dos deuses por ter tentado bancar o esperto; estava condenado a repetir a mesma tarefa todos os dias: tarefa sem sentido e que o levaria a lugar algum.
De certa forma, somos Sísifo. Certo é que nossas ocupações alimentam nosso corpo físico, mas nenhum sentido fazem à nossa existência. Passamos horas do nosso dia no piloto automático, ocupados com tarefas que não fazem parte de nós; passamos mais da metade do nosso dia sem existir.
Lembrar da insignificância da nossa rotina e de seus porquês é o que faz o livro que trago hoje.
"Com o advento da revolução industrial na Inglaterra no século XVIII, com o impulso de novas tecnologias (máquinas a vapor e teares mecânicos), acentuaram-se as diferenças, precipuamente em termos de renda entre os detentores do capital e a massa de trabalhadores fornecedora de mão de obra, os assalariados."
Diferente de tudo o que já trouxe nesse blog, Pois agora, Franklin é uma coletânea de crônicas, causos e pensamentos do narrador direcionados a Franklin, seu amigo-personagem presente na obra.
Com referências históricas, bibliográficas e culturais, o autor faz uso de pequenos trechos autobiográficos para levantar questões existenciais simples e complexas, individuais e de interesse coletivo.
"Aquilo é que era zagueiro, o Vega. Mal tocava na bola, incendiava-se a torcida… Chute com a concha do pé. Seco. Bola voando. Curva perfeita. Bala de canhão — ou de revesgueio, tastaviando. Mortal. Como ele, não tinha outro. Tirambaços à solta. Coisa de um punhado de metros, desmanchava redes. Biruta de aeroporto, estufa-vento. Pobre bola!"
Trata-se de um livro denso em temática e delicioso quanto ao tráfego de pensamentos. É impossível não ser impactado por pelo menos uma das crônicas e assuntos propostos pelo autor, não ser afrontado com os questionamentos do que estamos fazendo com o nosso tempo, com a nossa mente, com o nosso corpo; também sobre o que estará fazendo a nós a geração em que existimos; bem ou mal, somos fruto dela. Alguns trechos ficarão para sempre na minha memória, pois ainda estão a explodir a minha mente.
"Há um corte, ou algo é ou não é. Ou se está vivo, ou se está morto. Liberdade e igualdade ao mesmo tempo, portanto, reitere-se que não é possível."
Alta é a relevância da obra para os dias em que vivemos, para nossa sociedade em constante mudança e adaptação, para esses tempos em que nem sequer paramos para lembrar que existimos, por que e para quê. Os tempos mudam, mas o ser humano é o mesmo: necessitado de um propósito para viver.
Li pelo KU.
Commentaires