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Foto do escritorEliza Edgar

É humano.

Análise de , de Viviane Ferreira Santiago.


"Eu parei de falar faz pra lá de cinco anos. Quando digo falar quero dizer das coisas, da vida, de tudo, porque gritar, isso faço o dia todo com as crianças. Vez ou outra, canto para o Nino dormir, mas falar mesmo, falo mais não. Catinha ainda fala, fala quando o sol tá forte e quando a chuva cai, fala quando a cumbuca d'água esvazia e quando as panelas secam. Este é o mal de falar, quando se fala, tudo se expande: a seca, a fome, a miséria, a dor e tudo mais que se tem aqui em Cesário."


Não é de hoje que a arte se faz instrumento de denúncia e crítica contra questões sociais e políticas. As vozes de autores como Lima Barreto, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, entre outros, ecoam junto às de autores contemporâneos; tanto, que temas cotidianos, regionalistas e de engajamento social se configuram uma característica presente na Literatura atual.

O livro de hoje é da premiada autora Viviane Ferreira Santyago. Pó, em especial, é obra vencedora do Prêmio Amplitude de Literatura 2020, organizado pela Editora Amplitude.


"Agora dois corpos viviam no porão. Na noite da morte do filho caçula, o pai não dormiu, sentindo-se culpado, foi até a despensa e encheu dois copos com água e veneno para ratos, deu à esposa e ao filho doente, que não mais acordaram. Depois, ele e o filho que restou entregaram-se a polícia. O pai faleceu alguns anos atrás, o filho vive e continua preso, dizem que o mal da mãe também o acometeu, mas isso ninguém prova, pois ninguém ousa visitá-lo."


Por meio de uma narrativa não linear, acompanhamos a saga de sobrevivência do casal Marcos e Rita e de seus filhos Madalena, Nino, Ana, Catinha e Tavinho. Pelo ponto de vista de cada um deles, o leitor tem acesso a acontecimentos fragmentados, vividos pela família na infértil da terra de Cesário. Conforme as revelações dos eventos, esclarecem-se pormenores chocantes.


"Era de dar dó de olhar, lugar que ninguém vive, ou ao menos não devia."


As vozes dos narradores, ao tempo que com particularidades devidas, são uníssonas ao expor a agressividade da fome e suas consequências emocionais e físicas; como essas atingem cada lacuna da vida dos personagens de formas mais variadas, elevando a discussão sobre o sofrimento que a escassez causa e como ela condiciona seus oprimidos à desumanização.

A obra se faz mais do que necessária: obrigatória, tendo em vista a atualidade do tema. Sim, pois a fome ainda é uma realidade para 14,5 milhões de famílias brasileiras — o maior número registrado desde 2012.


A obra pode ser encontrada em formato digital na Amazon e também na versão física, que se adquire diretamente com a autora.


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